Horn: Conheça o sírio que migrou para São Paulo, fundou a Cyrela e se transformou em um dos maiores filantropos do Brasil
Ele começou comprando e vendendo apartamentos sem dinheiro até montar uma das maiores construtoras do país - e agora quer convencer ultra ricos a doarem para caridade
Quem é Elie Horn
O bilionário e filantropo Elie Horn teve uma infância difícil. Nascido em Alepo, na Síria, Horn deixou o país com sua família quando tinha apenas seis meses, indo para o Líbano. A família Horn passou 10 anos no país até ir à falência. Sem oportunidades, veio uma nova mudança, agora para o Brasil.
Em São Paulo, Horn passou vender de porta em porta goma-laca de porta em porta para ajudar a família recém-instalada. No final da adolescência, virou funcionário na imobiliária de seu irmão Joe. Sua função era encontrar bons imóveis para comprar.
Seu olhar certeiro para comprar e vender imóveis começou a se destacar na empresa. De funcionário, Horn virou sócio do irmão, passando a fazer negociações imobiliárias seguindo uma estratégia ousada: comprava apartamentos sem ter o dinheiro, enquanto prometia quitar as parcelas a prazo. Até as prestações vencerem, Horn corria contra o relógio para vender o imóvel a um terceiro – e à vista. Assim, levantava o dinheiro necessário para quitar sua dívida inicial.
Foi assim, comprando e vendendo imóveis e terrenos, que ele fundou a Cyrela (CYRE3) na década de 1970. Com o Brasil em crise e a inflação disparando, Horn precisou rever sua estratégia e resolveu partir para a construção.
Sob seu comando, a Cyrela teve uma forte expansão ao evoluir do segmento de apartamentos para prédios comerciais e shoppings em zonas industriais, que possuíam mais margem de lucro. Na década de 1990, Horn formou uma joint-venture com os argentinos da Irsa, apoiados pelo bilionário húngaro George Soros. Capitalizado, entrou no mercado de alto luxo com a marca Brazil Realty.
Com o IPO da Cyrela em 2005, Horn levou a companhia para o período de maior expansão geográfica de sua história, abrindo simultaneamente frentes de construção em 120 cidades. O movimento, contudo, deu errado. Acreditando conhecer bem o negócio, o empresário ignorou as especificidades de cada região. Acabou pisando no freio da companhia para arrumar a casa durante a crise de 2008 – um período que a Cyrela encolheu.
Em 2012, recebeu o diagnóstico de Parkinson e decidiu acelerar sua sucessão. Considerou alternativas no mercado, mas optou por uma solução caseira: indicou seus dois filhos – Efraim e Raphael – para dividirem o comando da companhia.
Longe do dia a dia da Cyrela, Horn passou a se dedicar com mais afinco à filantropia. Sua inspiração é seu pai, que lhe ensinou uma das lições mais valiosas de sua vida ao doar tudo que tinha quando morreu.
Horn se tornou o primeiro – e, até agora, único – brasileiro a aderir ao Giving Plegde, iniciativa de Bill Gates e Warren Buffett para estimular a filantropia, ao se comprometer a doar 60% de toda sua fortuna.
Religioso, Horn acredita que sua missão na vida é fazer o bem. Ele busca reunir e estimular empresários para que doem seu dinheiro e montou o Movimento Bem Maior, que apoia mais de 70 projetos sociais em todo o país.
Família e formação
Elie Horn nasceu na histórica cidade de Alepo, na Síria, em 1944, sendo o caçula de oito irmãos. Mas a situação financeira da família não era nada confortável quando Horn nasceu. Seus pais decidiram tentar uma vida nova no Líbano quando ele tinha apenas seis meses. Ficaram lá por 10 anos, sustentados pelo trabalho do pai na indústria têxtil. Até que foram à falência outra vez.
Com o apoio de parentes, a família Horn migrou novamente, desta vez para Milão, na Itália, onde foram recebidos por uma das irmãs de Horn, que vivia na Lombardia com o marido. Conseguiram abrigo e trabalho por seis meses até deixarem a Europa a caminho do Brasil.
Horn chegou em São Paulo em 1955, depois de viajar por semanas na terceira classe de um navio transatlântico. Ele veio com a mãe e quatro irmãos para encontrar o pai e um dos irmãos, que já haviam feito o mesmo trajeto meses antes.
Instalados na região do Pestana, em Osasco, Horn teve que, desde cedo, ajudar na renda da família e foi trabalhar de porta em porta vendendo goma-laca, um tipo de resina usado como acabamento. Com o primeiro “emprego”, conseguiu juntar dinheiro para comprar seu primeiro terno – azul, como costuma lembrar.
Esse foi um momento marcante em sua vida. Caçula de oito irmãos, sempre recebeu roupas usadas, adaptadas e remendadas, usadas pelos mais velhos. Agora, finalmente, tinha dinheiro para comprar sua própria roupa.
A fundação da Cyrela
Aos 19 anos, entrou no ramo imobiliário como funcionário da Cyrel, empresa criada por seu irmão Joe, e começou a comprar apartamentos. Com um detalhe: não tinham nenhum dinheiro em caixa. Apenas uma boa ideia.
Ao combinar o faro raro para identificar bons negócios – algo essencial para o setor imobiliário – e a lábia de bom vendedor, eles negociavam o recebimento de apartamentos com um sinal e parcelavam o restante.
Funcionava assim: os primeiros apartamentos comprados eram da faixa de US$ 10 mil. Os irmãos pegavam emprestados US$ 1 mil para dar de entrada. A segunda parcela, de US$ 3 mil, era prometida para 90 dias depois e os US$ 6 mil restantes seriam desembolsados somente em 36 meses.
Após pagar o sinal com os US$ 1 mil emprestados, começava uma contagem regressiva para a segunda parcela – que eles não tinham como pagar. Elie e Joe tinham que se virar para vender o apartamento em 90 dias para garantir a prestação de US$ 3 mil e, depois, comprar novos apartamentos.
O método só era possível pois o Brasil da década de 1960 não tinha estabelecido o conceito de correção monetária.
Em cinco anos, eles negociaram mais de 100 apartamentos e juntaram US$ 500 mil. Com o sucesso, Horn deixou de ser funcionário do irmão e se tornou seu sócio.
Juntos, conhecendo o caminho das pedras no negócio, passaram a usar uma estratégia ainda mais lucrativa: comprar terrenos.
Achar bons negócios dependia não apenas de um excelente faro, mas de vontade e muita sola de sapato. E Horn tinha a competência e intensidade necessárias. Ele acordava cedo e passava as manhãs em busca de bons terrenos, fazendo aos potenciais vendedores a mesma oferta de prometer pagamentos a prazo.
Já com a posse dos terrenos, os irmãos procuravam construtoras, ofereciam os terrenos e permutavam por apartamentos ainda na planta. Esses imóveis eram, então, vendidos a futuros moradores. O lucro da operação seguia para pagar as dívidas e adquirir novos empreendimentos. A empresa tinha, em média, entre 20 e 30 imóveis em estoque, sempre com a pressão de vender rapidamente.
Com 10 anos de trabalho intenso, sem descanso, os irmãos juntaram US$ 25 milhões. Horn virou “um playboy”, como ele mesmo diz.
Advogado por acaso
Com a vida profissional encaminhada, Horn quis concluir os estudos, iniciados no colégio Lycée Pasteur, um caminho natural para os imigrantes de língua francesa como a família Horn.
Resolveu estudar Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, mas não se dedicou aos estudos. Ele estava focado em comprar e vender imóveis e não frequentava as aulas. Aparecia em seu Puma conversível, vestido com roupas que só pôde comprar com o sucesso da sua empreitada e deixava a faculdade no meio do horário.
Foi aprovado com a flexibilidade e complacência de professores, assim como ajuda dos colegas. Ele lembra que chegou para uma prova de Direito Penal e não sabia absolutamente nada. Foi autorizado pelo professor a copiar as respostas dos livros, mas não tinha o conhecimento mínimo para saber o que e onde procurar. Acabou recorrendo a um colega que o ajudou durante o exame.
Ao fim de cinco anos, se formou e, por sorte, não houve exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Não passaria se precisasse prestar.
Construir é a solução
A economia brasileira mudou bastante entre as décadas de 1960 e 1970: a inflação gerada pela crise do petróleo e o descontrole dos gastos públicos inviabilizou a tradicional estratégia dos irmãos Elie e Joe Horn. A correção monetária inviabilizava o modelo de negócio dos irmãos – assim, não era mais possível comprar a prazo com o preço à vista.
Horn sentiu que era a hora de dar um passo adiante, passando a construir seus próprios apartamentos. Joe discordou. Sem que eles chegassem a um acordo, a sociedade entre os irmãos acabou e cada um seguiu seu caminho.
Em seu voo solo, Horn adicionou o “a” ao fim do nome da Cyrel e seguiu o seu faro ao comprar os terrenos, construir prédios residenciais de baixo custo e vender os apartamentos.
O bom resultado dos primeiros anos fez com que Horn elevasse o patamar de suas construções para entregar imóveis empresariais, desenhado para que investidores comprassem as salas e alugassem para inquilinos.
Com a ajuda de Soros
Horn costumava viajar mais de 30 dias por ano, mas não eram exatamente férias. Ele visitava empreendimentos no exterior e buscava identificar boas ideias para replicar no Brasil.
Uma das sacadas foi a construção de centros comerciais como o Shopping D, na Zona Norte de São Paulo, um dos primeiros outlets do país. A ideia foi bem-sucedida, pois aproveitava a tendência dos fabricantes de roupas que exploravam a venda direta ao público varejista em lojas perto de suas fábricas. Investiu também na construção do Centro Têxtil Internacional, na Vila Leopoldina, também em São Paulo, e o ABC Plaza, em Santo André.
Sua reputação de inovador no mercado chamou a atenção de investidores argentinos. A Inversiones y Representaciones SA, ou simplesmente Irsa, estava em busca de um parceiro para expansão dos negócios no Brasil e chegou ao nome de Horn.
O então presidente da Irsa, Eduardo Elsztain, passou um ano pesquisando o país e se interessou pelo perfil de Horn.
Em 1994, Horn criou a Brazil Realty, uma joint-venture com a empresa argentina, que tinha o bilionário George Soros como o principal investidor individual. A presença global e ultracapitalizada do húngaro possibilitou uma captação internacional de mais de US$ 80 milhões dois anos depois, no primeiro IPO de uma construtora brasileira no exterior.
Horn aumenta seu padrão
O aporte milionário na joint-venture Brazil Realty viabilizou que a Cyrela passasse a focar no mercado de imóveis de alto padrão. Mais estável, esse segmento costuma a sofrer menos em momentos de crises.
Com esse foco, a Cyrela construiu empreendimentos de destaque como o Faria Lima Financial Center, JK Financial Center, Mandarim e o L’Hermitage, em São Paulo; o Riserva Golf e o Le Palais, no Rio de Janeiro; e o Le Parc, em Salvador.
A estratégia e o conservadorismo na contabilidade fizeram com que a Cyrela atravessasse as crises do Brasil na década de 1990 e começo dos anos 2000 sem sustos. Pelo caminho, Horn comprou concorrentes como a carioca RJZ Engenharia.
Com a crise argentina, a parceria com a Irsa foi descontinuada e a Cyrela adquiriu a parte da sócia na Brazil Realty em 2002.
IPO e o maior erro da Cyrela
Em setembro de 2005, a Cyrela abriu seu capital na Bolsa de São Paulo e entrou no Novo Mercado. A oferta levantou quase R$ 1 bilhão e alçou Horn para o seleto grupo de bilionários brasileiros. Confiante e capitalizado, o empresário comandou uma agressiva estratégia de expansão nacional da Cyrela. Foi o seu maior erro à frente da empresa.
Nos dois anos seguintes ao IPO, a Cyrela montou dez joint ventures e parcerias: Agra, Concima, Cury, Cytec+, Líder, Lucio Brazil, Mac, Plano & Plano, Goldsztein Cyrela e a SK Realty com o objetivo de se expandir pelo país, fez um follow-on e montou a Living e a Cyrela Commercial Properties.
Sob o olhar de Horn, a Cyrela chegou a operar em 120 cidades com 220 canteiros de obra funcionando simultaneamente. O avanço, contudo, não foi bem-sucedido. Sem conhecer as demandas dos clientes em cada lugar do Brasil, Horn tentou replicar sua fórmula de sucesso que funcionava em São Paulo. Deu errado.
Enquanto para muitos a crise de 2008 foi um desastre, Horn a vê como uma benção. Foi a oportunidade que teve para consolidar o negócio, reduzir o portfólio e retomar seu foco para sua área de maior conhecimento.
Sucessão familiar
Em abril de 2014, Elie Horn deixou o comando do dia a dia da Cyrela e seguiu como presidente do conselho de administração. Chegou a considerar contratar headhunter e avaliar executivos de fora da companhia, mas optou por uma solução caseira. No seu lugar, ficaram seus dois filhos Efraim e Raphael Horn, que dividem a presidência.
Desde a juventude, os dois filhos foram preparados na Cyrela para uma possível sucessão, mas troca começou a ser desenhada após Horn ter recebido o diagnóstico de Parkinson em 2012, o que o fez pensar no futuro.
Em seu family office, Horn começou a investir em saúde com a Hospital Care, com aquisições de hospitais em Campinas, Curitiba, Florianópolis, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. Ele também já disse ter interesse no setor de educação, mas ainda não entrou no setor.
Filantropia: fazer o bem
Fora da Cyrela, Horn nunca pensou em se aposentar. Para ele, a aposentadoria é uma covardia, pois acredita que ele tem deve devolver o que tem para a sociedade.
Ao longo da vida, Horn se aproximou cada vez mais do judaísmo, depois de uma infância e juventude longe da religião. Ele respeita as regras de alimentação e descanso semanal dos judeus e se apoia na sua crença em Deus. Por meio da religião, descobriu sua vocação na terra, que é fazer o bem.
Horn acredita que ao fazer e promover o bem ele garante que seus pais, já falecidos, serão levados a posições espirituais mais elevadas. Seu pai, aliás, foi quem influenciou Horn a tomar uma postura mais firme em direção à caridade, ao doar todo dinheiro e posses a filantropia.
Em 2015, se tornou o primeiro brasileiro a aderir ao Giving Plegde – iniciativa do casal Bill e Melinda Gates e do megainvestidor Warren Buffett para que ricos doem seu dinheiro para a caridade e tenta, há anos, convencer outros ultrar ricos brasileiros a aderir à proposta e doar parte da fortuna para a filantropia. Até hoje, Horn e sua esposa, Susy, seguem como os únicos brasileiros na lista, com a promessa de doarem 60% de sua fortuna.
A adesão à iniciativa foi apenas um passo em uma longa jornada pela caridade que ganhou fôlego pouco antes de Horn deixar a Cyrela. Como um dos seus últimos legados como presidente, fundou em janeiro de 2011 o Instituto Cyrela, que recebe 1% do lucro da empresa que fundou e aplica em projeto de caridade.
Mas essa está longe de ser a sua única iniciativa concreta na filantropia. Em 2016, Horn criou a Liberta, organização para combater a exploração sexual de crianças e adolescentes.
Dois anos depois, fundou o Movimento Bem Maior que agrega outros empresários como o fundador da MRV, CNN e Banco Inter, Rubens Menin, o CEO da Localiza, Eugênio Mattar, e personalidades como Luciano Huck. A iniciativa conta com dezenas de empresas parceiras como Accenture e a Microsoft e apoia mais de 70 projetos em 17 áreas de atuação como erradicação da pobreza, saúde, educação, igualdade gênero, saneamento, sustentabilidade e empreendedorismo.
Considerado um dos maiores filantropos do Brasil, Elie Horn foi chamado de covarde pelo presidente do Instituto Cyrela por se esconder das câmeras e ser avesso a entrevistas. Ele recebeu bem a crítica e entendeu que para promover o bem, precisava se expor mais.
Passou, então, a ser figura constante na imprensa e em eventos para falar de caridade. Apesar dos esforços publicitários, Horn ainda não convenceu muitos de seus colegas bilionários a doarem suas fortunas, mas ele não desiste. E diz que vai continuar tentando.
Para saber mais
Entrevistas
- História Contada: Mona Dorf entrevista Elie Horn
- Live XP: Referências do setor de Real Estate debatem a atual conjuntura
- Elie Horn no Roda Viva
Podcast