O direito do promitente comprador no novo Código Civil
Leonardo Cotta Pereira*
Não se discute que, nas últimas décadas, a promessa de compra e venda tem sido muito utilizada pela sociedade moderna, considerando o grande número de transações imobiliárias, mormente quando o pagamento do preço do imóvel não é efetuado de uma só vez, mas sim através de múltiplas e sucessivas prestações.
Diante disso, e tendo em vista a evolução legislativa na proteção do promitente comprador, consciente também das divergências doutrinárias e jurisprudenciais atinentes à promessa de compra e venda, andou bem o legislador pátrio ao trazer para o rol dos direitos reais o direito do promitente comprador do imóvel, espancando, com as regras insculpidas nos artigos 1.417 e 1.418 do Novo Código Civil, as controvérsias acerca do instituto.
Com efeito, diante da nova legislação, o promitente comprador, ao celebrar promessa de compra e venda de um imóvel com o promitente vendedor, sem cláusula de arrependimento, institui, em seu favor - desde que o instrumento negocial submeta-se ao registro competente - um privilégio, qual seja, o de que o adquirente, convertido em credor da obrigação de fazer, possa se valer da faculdade real e exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, mesmo que seja pleiteando judicialmente a adjudicação compulsória do imóvel.
Malgrado tais transformações tenham sido recentemente implementadas com o advento do Novo Código Civil, é certo afirmar que as mesmas já têm sido objeto de profundas discussões doutrinárias, como a possibilidade de o instrumento ser firmado através da forma particular - e não por instrumento público -, a necessidade de se levar a promessa de compra e venda a registro e, ainda, a impossibilidade de pactuação da cláusula de arrependimento.
No tocante à instrumentalização do compromisso de compra e venda de imóveis, há quem entenda ser essencial para a constituição do direito real do promitente comprador a celebração da promessa de compra e venda através de instrumento público, pois, conforme preceitua o artigo 108 do Novo Código Civil, não dispondo a Lei em sentido contrário, essa forma deve incidir sobre os negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Ocorre, todavia, que o artigo 1.417 do Novo Código Civil aduz que o instrumento de promessa de compra e venda pode ser celebrado tanto pela forma pública, como pela particular, o que consubstancia uma disposição que excepciona a norma geral estabelecida no referido artigo 108, a qual deve ser afastada.
Portanto, o que a Lei quer determinar com a frase "celebrada por instrumento público ou particular" é que a escritura pública não é da essência do ato quando se tratar de direito real à aquisição de imóvel mediante promessa de compra e venda, podendo esta ser também celebrada por instrumento particular.
Outra questão que vem fomentando as discussões jurídicas em torno do tema em foco reside na necessidade de se levar a promessa de compra e venda a registro para que o promitente comprador logre êxito na ação de adjudicação compulsória.
É sabido que o Novo Código Civil veio para consolidar, em muitos casos, a jurisprudência dominante de nossos Tribunais. Contudo, no caso do direito do promitente comprador à adjudicação compulsória, a recente legislação está em desconformidade com as decisões judiciais atinentes à matéria. Isso porque a jurisprudência adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, consubstanciada na Súmula nº 239 ("O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis"), perdeu a sua validade, pois o atual texto da Lei civil é claro e reforçou o entendimento de que é indispensável o registro da promessa de compra e venda para a procedência da ação de adjudicação compulsória.
Na esteira desse raciocínio, pode-se afirmar que a expressão titular de direito real, prevista no artigo 1.418 do Novo Código Civil, veio resolver o impasse e acabar com a discussão,uma vez que o direito real à aquisição do imóvel nasce com o registro. Destarte, enquanto não registrado o contrato de promessa de compra e venda o promitente comprador tem somente um direito obrigacional, que se resolve em perdas e danos, e não um direito real oponível a terceiros e passível de ensejar uma ação de adjudicação compulsória.
Por fim, é de se observar, ainda, que, para que os promitentes compradores tenham a seu favor o direito real à aquisição, os contratos de promessa de compra e venda não mais podem conter cláusula de arrependimento, diferentemente do que constava no sistema anterior. É que o artigo 1.088 do Código Civil de 1916 dispunha que qualquer das partes podia se arrepender, antes de assinar o instrumento público, ressarcindo à outra as perdas e danos decorrentes do arrependimento, sem prejuízo da restituição das arras já pagas.
Na verdade, muitas das vezes o proveito econômico obtido pelo alienante, na revenda do imóvel, era bem maior que o valor devido na restituição, mesmo com o acréscimo das perdas e danos reclamada pelo contraente lesado, fato este que contribuiu para alicerçar como regra a faculdade resolutiva das promessas, excepcionalizando-se, como se fora liberalidade ou apego ao empenho da palavra dada, a mantença do compromisso.
Atento à desigualdade dessa relação jurídica, o legislador de 2002 houve por bem subtrair do Código Civil de 1916 a norma contida no artigo 1.088, incluindo-se, em contrapartida, na redação do artigo 1.417, a exigência, para que o promitente comprador constitua o direito real a seu favor, de que a promessa de compra e venda não contenha cláusula de arrependimento.
De acordo com o sistema trazido pelo Novo Código Civil, pode-se afirmar, em conclusão, que o direito real à aquisição do imóvel somente poderá ser obtido pelo promitente comprador se o contrato de promessa de compra e venda for registrado no Cartório de Registro de Imóveis, independentemente de ser firmado por instrumento público ou particular, e não contiver cláusula de arrependimento. Diante desses requisitos, o promitente comprador pode exigir da contraparte, ou de terceiros, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, ainda que seja pela via judicial, através do ajuizamento da ação de adjudicação do imóvel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário